A Guerra na Ucrânia — Como os tanques da Alemanha podem tornar a paz mais provável.  Por Ralph Schoellhammer

Nota de editor

Um texto chocante que vale a pena ler por ser tão representativo da hipocrisia do ocidente EUA-NATO. Ainda que não evidente numa primeira leitura, é a meu ver bem ilustrativo da posição que já aqui divulgámos em Abril do ano passado, e pelos vistos bem atual, (vide “Os Estados Unidos têm a sua própria agenda contra a Rússia”, de Jeremy Scahill), expressa pelo falcão norte-americano Max Boot, de que “Uma derrota russa é essencial para salvar a Ucrânia e salvaguardar a ordem internacional liberal. Os Ucranianos estão dispostos a continuar a lutar, apesar das suas perdas desoladoras. Só precisamos de lhes dar os instrumentos para terminarem o trabalho”. Ou seja, para sermos claros, os ucranianos como carne para canhão.

E o que é esta ideia de, com os tanques da Alemanha [e dos EUA e outros países da NATO], se conseguir como resultado um “conflito prolongado e estático” que torne provável conversações de paz, senão outra forma de continuar a defender a utilização dos ucranianos como carne para canhão numa guerra em que eles são meros peões.

Melhorar a força da Ucrânia no campo de batalha pode assegurar um impasse prolongado“, e a que preço de vidas humanas?

Como diz o autor deste texto, poderá não se tratar “de um caso isolado, mas sim do início de um novo nível de apoio militar sustentado”. Onde fica então o conflito estático? Afinal, conversações de paz entre quem e quem?

Como diz Scott Ritter no texto que publicaremos amanhã “… o Ocidente não parece capaz ou disposto a discernir antes que seja demasiado tarde para as dezenas de milhares de soldados ucranianos cujas vidas estão prestes a ser sacrificadas num altar de arrogância nacional e ignorância”.

 

FT


Seleção e tradução de Francisco Tavares

2 min de leitura

 

Como os tanques da Alemanha podem tornar a paz mais provável

Melhorar a força da Ucrânia no campo de batalha pode assegurar um impasse prolongado

 Por Ralph Schoellhammer

Publicado por em 25 de Janeiro de 2023 (original aqui)

 

Olaf Scholz dirige-se às tropas alemãs. Crédito: Getty.

 

Scott Fitzgerald escreveu uma vez que “o teste de uma inteligência de primeira classe é a capacidade de manter duas ideias opostas na mente ao mesmo tempo e ainda conservar a capacidade de funcionar”.

Este é um estado de espírito a considerar ao avaliar o impacto potencial das recentemente anunciadas entregas de tanques alemães, britânicos, e americanos às forças armadas ucranianas. Entusiastas como o antigo primeiro-ministro britânico Boris Johnson afirmam que isto irá finalmente inverter a maré a favor de Kiev, enquanto os críticos advertem que se corre o risco de uma nova escalada que irá alargar e prolongar desnecessariamente o conflito.

Muito provavelmente nenhuma destas avaliações é totalmente correcta. Em primeiro lugar, vale a pena ter em conta o significativo intervalo de tempo entre os anúncios e as entregas, pelo que, neste momento, não é de todo claro quando chegarão os primeiros tanques à Ucrânia e quanto tempo levará a treinar as tripulações locais antes que o primeiro Leopard, Abrams ou Challenger se junte efectivamente às linhas da frente. Em segundo lugar, há a questão dos números: os EUA parecem estar determinados a entregar até 30 tanques, o Reino Unido 14, Alemanha 14, Países Baixos 18, Polónia 14, e Noruega 8. No total, são 98 tanques, o que equivaleria a um pouco menos de dois batalhões do exército dos EUA. Embora não seja claro quantos tanques a Rússia pode colocar em campo nos próximos meses, o número está certamente nos milhares – e esta é uma estimativa feita por fontes favoráveis à Ucrânia.

O argumento, é claro, aplica-se também ao contrário. É igualmente improvável que 100 tanques provoquem uma escalada imediata do conflito, e a Rússia ainda tem outras cartas para jogar caso decida cortar os poucos sistemas de energia que vão para a Europa – que provavelmente enfrentará uma escassez de diesel após uma nova ronda de sanções sobre produtos refinados a partir de 5 de Fevereiro.

Trata-se, no entanto, de uma importante mudança simbólica. De facto, significa que a Alemanha desistiu da sua posição inicial de assumir uma resolução rápida do conflito e será agora menos obstrucionista quando se tratar da entrega de sistemas avançados de armas à Ucrânia. Simultaneamente, seja por génio ou por sorte, o Chanceler Olaf Scholz associou essa vontade à condição implícita de Berlim actuar apenas se os EUA o fizerem primeiro, o que lhe permite partilhar parte da responsabilidade e evitar a pressão dos seus parceiros de coligação, que estão muito mais ansiosos pelo seu apoio à Ucrânia.

Assumindo que a liderança do Kremlin é propensa a erros de cálculo mas não inteiramente irracionais, não é implausível sugerir que um número relativamente irrelevante de tanques poderia ter um impacto político muito maior. Um pequeno número de tanques ocidentais não tornará possível uma recaptura de todos os territórios perdidos, mas também limita o potencial para futuras operações ofensivas russas em áreas chave, onde 30 Abrams e 30 Leopards poderiam definitivamente fazer uma diferença táctica.

Um impasse prolongado pode desencadear a percepção, de ambos os lados, de que as linhas de frente não se moverão significativamente em qualquer direcção. A medida em que tal cenário se concretizará dependerá de a Rússia poder ou não lançar uma nova ofensiva antes de o equipamento ocidental estar pronto para a acção, e se os líderes em Berlim e Washington sinalizarem a Moscovo que não se trata de um caso isolado, mas sim do início de um novo nível de apoio militar sustentado.

É uma possibilidade triste que só depois de um conflito prolongado e estático, sem que nenhum dos lados tenha esperança de uma vitória total iminente, é que as conversações de paz se tornem prováveis.

 

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O autor: Ralph Schoellhammer é professor assistente na Universidade Webster de Viena (Áustria) e doutorado em Teoria Política pela Universidade de Kentucky. A sua investigação centra-se principalmente em factores culturais de formação de identidade e na forma como as identidades têm impacto na coesão social. Tem publicado op-eds com todos os principais jornais austríacos mas também publicações internacionais como o Hunherd, o Jerusalem Post, o Washington Examiner, ou o American Spectator.

 

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